O setor de consórcios vinha de um trimestre de alta. A moda do “se financiar” parece que pegou mesmo! O brasileiro começou a incorporar o planejamento financeiro no seu dia a dia, tirando os juros de cena. Afinal, mesmo com mínima histórica, o juros por aqui ainda é um dos maiores do mundo e continuamos disputando colocação entre os dez países que mais “esfolam” o cidadão na hora de recorrer ao sistema financeiro. O ranking hoje, está assim: México, Malásia, Índia, Indonésia, Rússia, Turquia, África do Sul, Singapura, Brasil e Colômbia.
Mesmo com uma enorme torcida do contra, onde alguns especialistas comparam a rentabilidade do consórcio com carteiras de recebíveis de dar inveja, quase sempre questionando as vantagens de se investir no nosso brasileirinho consórcio como solução para um futuro tranquilo, há quem se ofenda quando ouve falar mal da nossa poupança tupiniquim. O argumento é que, independente dos rendimentos que o investimento em consórcio possa oferecer, a verdade é que o produto é perfeito pra quem tem um objetivo e sabe da necessidade de se planejar para realizá-lo. Além do mais, os evangelizadores do sistema se regozijam ao ver o tesouro direto rendendo 3% ano (sem contar a dedução de impostos) e a bolsa com um prejuízo acumulado de 24,72% de janeiro a maio de 2020.
Mesmo com um mês de março impactado pelo início da crise gerada pela COVID-19, o segmento acumulou um crescimento no primeiro trimestre de 2020 de 9,7% quando comparado ao mesmo período de 2019. Foram R$ 33.56 bilhões em três meses e o acumulado de contemplações somou 339,61 mil, 12,1% superior às 303,00 mil de 2019. Vale destacar o crescimento exponencial de Serviços (168,4%) e Bens Móveis (175,7%). Os créditos concedidos correspondentes aos contemplados, que possivelmente serão injetados na cadeia produtiva, ao longo dos próximos meses, totalizaram R$ 13,80 bilhões, 33,2% acima dos R$ 10,36 bilhões passados. Parece mesmo que não tem tempo ruim para o consórcio!
Por conta da crise endêmica, o cenário econômico do país vem se alterando e provocando mudanças no comportamento do consumidor. Se no início do ano a tendência sinalizava maior atenção nas finanças pessoais, a partir da última quinzena de março o foco principal foi o isolamento social em benefício da saúde. Os dados de março, apesar da retração na segunda quinzena, ainda não refletiram o alcance da nova postura. Na retrospectiva da somatória das adesões dos meses de janeiro a março nos últimos dez anos, de 2011 a 2020, o maior volume foi o do trimestre deste ano, recorde na década.
De acordo com o estudo Mesa Redonda McKinsey - O novo consumidor pós-COVID, novos valores e mentalidades subjacentes estão emergindo durante a crise do coronavírus: Prevenção e Planejamento, Consciência ao Consumir, (Re)conexões afetivas e Planeta e sociedade em primeiro lugar.
Para o segmento de consórcios, dois tópicos da pesquisa se destacam: Prevenção e Planejamento - novidade alguma dizer que fomos “pegos de calças curtas”. Quem não tinha reservas e olhou aquele guarda-roupa recheado e sem uso, sem dúvidas jurou pra si mesmo que vai poupar a partir de já. E Consciência ao Consumir - sim, aqueles boletos cheios de juros, o rotativo que mais parece o buraco negro recém descoberto pela NASA estão pesando muito. Consciência sobre a sustentabilidade do planeta já era discutida, o que apareceu mesmo foi a questão da sustentabilidade financeira.
Outra análise de comportamento feita nesse período é que entre as gerações Y e Z havia uma tendência de investimentos sem foco na compra de bens. O transporte compartilhado e o aluguel de imóveis estava super em alta. A pegada “investir em experiências” estava na boca de todos. A pandemia trouxe a necessidade da segurança de um imóvel e de um automóvel próprio e ainda nos tirou a chance de distração com as experiências. Tudo isso leva a uma demanda de consumo.
Uma pesquisa recente da Cars.com relatou que 20% dos entrevistados que não possuíam seu próprio carro estavam pensando em comprar um. Com os passageiros confiando menos em serviços de transporte público e compartilhamento de carona, 93% das pessoas disseram estar usando mais veículos pessoais. Mas, entre as pessoas pesquisadas que não possuem carro, a maioria respondeu que pretende comprar um veículo por razões de saúde e segurança.
Mas as pessoas continuam a investir em consórcios mesmo em plena crise? Claro que houve uma queda imediata nos faturamentos no estágio de entendimento da pandemia. Planejamentos com cenários pessimistas foram feitos, mas as administradoras que estavam preparadas com recursos tecnológicos para vendas e atendimento a distância viram a recuperação ainda no mês de abril. Os resultados têm surpreendido até os mais otimistas.
E depois? Mudanças no comportamento de consumo são esperados para o “novo normal” com o digital onipresente, consumo repensado, aumento da (in)fidelidade (às marcas), consumo seguro, saúde e qualidade de vida, o novo papel da casa, casualização e indulgência, sustentabilidade redefinida, propósito e desvalorização da metrópole, segundo a pesquisa Mesa Redonda McKinsey, já mencionada.
Alguns dados referentes ao mês de abril na China são um sinal do que pode acontecer por aqui: a venda de imóveis cresceu 37% comparado com o período pré vírus e os chineses tiveram melhor mês de vendas de veículos dos últimos 2 anos.
Portanto, as perguntas que ficam não somente para as administradoras do tão queridinho consórcio, mas para as empresas em geral que têm relação com qualquer produto que surfe na onda do novo normal são: Estão prontas para acelerar quando for a hora? Entendem o novo comportamento do consumidor? Estiveram perto dos clientes nesse período? Respondidas essas perguntas, um feliz novo normal para todos!
*Por Lorelay Lopes é head de Negócios do UP Consórcios, fintech de inovação da Embracon
Fonte: Estadão